Publicado em 26 de abril de 2024
Entre os grandes objetivos da reforma tributária, recentemente aprovada pelo Congresso Nacional, estão a transparência e a simplificação. Esta última está diretamente relacionada à extinção de alguns dos tributos que incidem sobre as atividades operacionais, dentre os quais a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS) e a Contribuição para o PIS/PASEP. Trata-se de uma excelente notícia: embora tenham sofrido inúmeras mudanças durantes as últimas décadas, eles permanecem sendo protagonistas do grande imbróglio que é o sistema tributário nacional, além de objeto de importantes contenciosos.
Como regra, PIS/COFINS são tributos não cumulativos, conforme estabelecem a Lei 10.637/02 e a Lei 10.833/03. Para os contribuintes submetidos à apuração não cumulativa, a alíquota da contribuição ao PIS é de 1,65%, enquanto a da COFINS é de 7,6%. Diferentes percentuais serão aplicados, a depender da forma de apuração das contribuições a que está sujeita o contribuinte.
Isso porque há diversos regimes específicos de apuração de PIS/COFINS. Exemplificativamente, a Lei 9.718/98 regula a incidência cumulativa das contribuições, aplicável a determinados contribuintes, como as instituições financeiras e empresas equiparadas.
Outros setores da economia estão sujeitos ao que se chama de incidência monofásica das contribuições. Nessa sistemática, a incidência de PIS/COFINS é concentrada em apenas um elemento da cadeia econômica (por exemplo, produtor ou importador), enquanto os demais agentes deixam de recolher os tributos diretamente (como setor automotivo, de medicamentos, cosméticos etc.). As contribuições também incidem sobre a importação de bens e serviços, o que é tratado pela Lei 10.865/04.
A reforma tributária terá como enorme benefício o fim de todas essas situações casuísticas, bem como das discussões que delas decorrem. Ao menos, é isso o que se espera.
Desde sua criação, inúmeras foram as controvérsias judiciais que têm como objeto os PIS/COFINS. Com o advento da Emenda Constitucional 20/98, foi autorizada a incidência dos tributos também sobre a receita (além do faturamento) da pessoa jurídica. No entanto, a Lei nº 9.718/98 – anterior à emenda constitucional – já previa como materialidade a receita bruta, com incidência exclusivamente de forma cumulativa, sem qualquer possibilidade de apropriação de créditos, e alíquota conjunta de 3,65%,
Em razão disso, a ampliação da base de cálculo dos PIS/COFINS – de faturamento para receita bruta – foi questionada pelos contribuintes. O Supremo Tribunal Federal (RE nº 585.235), então, reconheceu a sua inconstitucionalidade, entendendo que, por ter sido editada antes da Emenda Constitucional nº 20/98, a Lei nº 9.718/98 não poderia ter estabelecido como base de cálculo das contribuições grandeza (receita) não prevista pelo texto constitucional.
Igualmente, a exigência cumulativa das contribuições sempre foi criticada pela maioria dos especialistas, por implicar no chamado “efeito cascata” das inúmeras incidências ao longo da cadeia econômica. Isso levou à edição da Emenda Constitucional 42/03, que incluiu o parágrafo 12 ao inciso IV do artigo 195, e que, pela primeira vez, tratou da não cumulatividade aplicável aos PIS/COFINS.
Com base em referida emenda, foram editadas as já citadas Leis nº 10.637/02 e nº 10.833/03, que inseriram referidos tributos na chamada sistemática não cumulativa. Embora essas normas tenham permitido a certos contribuintes a apropriação de créditos relativos a “insumos”, empregados na prestação de serviços e na industrialização de bens, omitiram-se em defini-los para efeito de PIS/COFINS.
Essa omissão foi questionada judicialmente, até que, em abril de 2018, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) consolidou o entendimento, em recurso repetitivo (REsp 1.221.170), de que “insumo”, para fins de crédito de PIS/COFINS, é toda despesa essencial ou ao menos relevante no exercício da atividade econômica pelo contribuinte.
Infelizmente, junto com essa definição, o STJ também determinou que a verificação da essencialidade e da relevância da despesa fosse feita caso a caso. Como consequência, há infindáveis demandas ainda pendentes de decisão, justamente porque o deslinde dos casos depende da apreciação da matéria fática, de laudos periciais etc., o que deixa os processos ainda mais lentos e os contribuintes sem solução nos curto e médio prazos.
Como se não bastasse, a chamada incidência monofásica de PIS/COFINS igualmente deu ensejo a questionamento. É que os contribuintes sujeitos a tal método de tributação sempre sustentaram que os créditos nas aquisições deveriam ser mantidos, ainda que as saídas dos bens ao consumidor final fossem desoneradas. Caso contrário, a aplicação de regra específica (monofásica) ensejaria tributação a maior, se comparada com a aplicação da regra geral (compensação entre créditos e débitos).
Contudo, a 1ª Seção do STJ (EREsp 1.109.354) entendeu que o contribuinte sujeito à sistemática monofásica de PIS/COFINS não teria direito aos créditos na aquisição dos bens. Mais uma frustração entre as tantas enfrentadas pelos contribuintes.
Tais contribuições também protagonizaram a chamada “tese do século”, qual seja, a discussão em torno da exclusão do ICMS da sua base de cálculo. Realmente, há muitos anos – desde que os tributos tinham diferentes materialidade (faturamento) e denominação (FINSOCIAL) – discutia-se a inclusão do ICMS no seu cálculo. Em março de 2017 (RE nº 574.706), finalmente, o STF decidiu, em sede de repercussão geral, que “o ICMS não compõe a base de incidência do PIS e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS)”. Na sequência, em embargos de declaração, esclareceu que o ICMS a ser excluído deveria ser o exigido na operação, e não o meramente destacado.
Mais recentemente, sobretudo com a edição da Lei nº 14.789/23, intensificou-se a controvérsia a respeito da incidência de PIS/COFINS sobre os benefícios fiscais de ICMS outorgados pelos estados. A discussão diz respeito à delimitação de competência entre os entes federativos, mas também à própria materialidade das contribuições.
Isso porque ainda há não clareza sobre se a redução de uma despesa, decorrente da fruição de benefícios fiscais, poderia ser caracterizada como aferição de receita, sujeita à incidência de PIS/COFINS. Essa controvérsia poderá vir a ser solucionada quando do julgamento do Tema 843, de repercussão geral, pelo Supremo Tribunal Federal.
Esses são alguns exemplos da complexidade que envolve os PIS/COFINS no Brasil. Tributos que, com as peculiaridades que possuem, só são encontrados aqui.
Tanto é emblemática a legislação que cerca tais contribuições que uma das principais medidas da reforma tributária aprovada é a sua extinção. Serão substituídos pela CBS – Contribuição sobre Bens e Serviços (que, juntamente com o IBS – Imposto sobre Bens e Serviços, representam o IVA dual, praticado em outros países).
Embora os aspectos da hipótese de incidência desses novos tributos, entre outros elementos, serão definidos pelas leis complementares que virão, é louvável a intenção de simplificação da legislação relativa à tributação do consumo, de maior transparência ao contribuinte e à sociedade, e de redução do contencioso que envolve matéria tributária no Brasil.
Se esses objetivos serão ou não alcançados, ainda é prematuro dizer. Mas é unânime, entre os especialistas, que algo deveria ser feito em relação a esses tributos, que tornam o sistema tributário brasileiro ainda mais caótico e oneroso, além de estarem entre as maiores fontes de discussão, insegurança e desvantagem competitiva para o setor produtivo brasileiro.
De acordo com o secretário extraordinário da Reforma Tributária Bernard Appy, o processo de substituição dos PIS/COFINS (e do IPI, de outros tributos federais, do ICMS e do ISS) deve ser gradativo e terá etapas distintas até a sua conclusão. O ponto inicial desse processo será em 2027, com a extinção desses tributos e a sua substituição pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Já a transição do ICMS e do ISS para o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) começará em 2029 e deverá durar quatro anos.
A par de tudo isso, esperamos que as dificuldades que vêm pela frente, com a transição, sejam compensadas pelos benefícios que também estão por vir. A necessidade de mais justiça fiscal, transparência e racionalização do sistema – que só serão alcançadas com mudanças importantes, dentre as quais se incluem a extinção dessas contribuições – devem servir de estímulo para que enfrentemos esses obstáculos. É razoável aguardarmos por avanços, ainda que o adeus derradeiro aos indesejáveis PIS/COFINS leve mais alguns anos.
Fonte: Contadores
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